No Alentejo, há uma tradição enológica única que aguarda os apreciadores dos vinhos de todo o mundo: os vinhos de talha. Com uma história milenar e técnicas específicas de produção, os vinhos feitos a partir das talhas de barro cativam os paladares com a sua autenticidade e sabor. Em meio ao aroma das uvas e à brisa quente do mediterrâneo, o ato de “pesgar a talha” dá vida a uma tradição que perdura por gerações no nosso Alentejo, oferecendo uma experiência sensorial genuína. O ritual artesanal, a escolha cuidadosa das castas e a fermentação nas ânforas de barro conferem a esses vinhos um caráter singular, capaz de dar vida a rica biodiversidade e história da nossa região.
As talhas são ânforas de barro, onde as uvas são despejadas para fermentar e, posteriormente, amadurecer. Deste modo, devido a porosidade do barro, os vinhos podem respirar calmamente, propiciando um processo de micro -oxigenação controlado, que contribui para a evolução do vinho e o desenvolvimento de taninos suaves, resultando em vinhos encorpados e com uma acidez altamente equilibrada. Ao contrário do que muitos pensam, as talhas, por serem elaboradas com materiais naturais, não adicionam nenhum sabor adicional aos vinhos.
O termo “pesgar a talha”, muito utilizado no Alentejo, descreve o processo de barrar as talhas de barro com Pez Louro, uma mistura quente de resina, azeite e cera de abelha, com o intuito de potencializar uma melhor impermeabilização e micro-oxigenação durante a fermentação dos vinhos. Além disso, outra característica é a diversidade de castas utilizadas, muitas delas autóctones da região. Isso confere a esses vinhos uma personalidade única, refletindo a riqueza do terroir local.
A história dos vinhos de talha remonta a tempos antigos, onde o vinho e a cultura entrelaçavam-se harmoniosamente. Essa tradição enológica tem origens que se perdem-se no tempo, levando-nos a uma jornada fascinante pelas antigas práticas dos povos que habitaram a Península Ibérica. Acredita-se que o uso das talhas de barro como recipientes para fermentar e armazenar os vinhos tenha sido trazido pelos romanos por volta do século I a.C. Para estes antigos ocupantes da Península Ibérica, esta técnica detinha qualidades peculiares, sendo, então, transmitida como um legado cultural e enológico, preservando a sua essência ao longo dos séculos.
Esta tradição está diretamente ligada à cultura alentejana, o Dia de São Martinho, por exemplo, celebrado a 11 de novembro, é um feriado muitíssimo importante no Alentejo, e é comemorado com a abertura das talhas de vinho. Geralmente, é tradição as pessoas reunirem-se para celebrar a colheita e o vinho novo. O vinho de talha é servido em copos grandes e harmonizado perfeitamente com os pratos típicos do nosso país, como o cozido à portuguesa, migas de bacalhau e carne de porco à alentejana. Além disso, este vinho é altamente versátil e pode ser apreciado por todos os amantes dos vinhos únicos e distintos.
No entanto, com a evolução das técnicas de produção dos vinhos, as talhas de barro foram gradualmente substituídas por outros materiais, como o carvalho ou até mesmo aço inoxidável que, por sua, vez, conferem um maior controlo na vinificação. Essa mudança resultou numa diminuição do uso das talhas de barro, que passaram a ser mais comuns em algumas regiões tradicionais, como a nossa, onde, em conjunto com a modernidade, ainda se valoriza as práticas artesanais e ancestrais.
A produção desses vinhos é uma verdadeira arte, desde a colheita manual das uvas até a fermentação e maturação nas talhas de barro, cada passo é conduzido com dedicação e paixão, resultando em vinhos repletos de carácter. Mesmo com a modernidade na vinificação, escolhemos também manter viva a herança da nossa terra, convidando todos a apreciar este belo legado cultural e o seu ótimo potencial.